Maranhense e filho de português com cafusa (mestiça de negro e índio), Gonçalves Dias dizia ser descendente das três raças que formaram a etnia brasileira. Tal origem parece ter influenciado na construção de uma obra que buscou conquistar uma identidade estritamente brasileira. Não é a toa que Gonçalves Dias é um dos maiores expoentes de nossa literatura indianista, já que com ele, segundo Alfredo Bosi, “o mito do bom selvagem, constante desde os árcades, acabou por fazer-se verdade artística” (História concisa da literatura brasileira, 2006, p. 105). É de Gonçalves Dias também a iniciativa de escrever, após pesquisas na Amazônia, um Dicionário da Língua Tupi (1858).
Além da poesia indianista, o poeta versou sobre vários outros temas, produzindo poesia religiosa, poesia saudosista, poesia egótica e lirismo amoroso; multiplicidade que comprova a riqueza temática de sua obra. Sua simpatia pelo índio deriva, além do fato de ter descendência indígena, da sua convivência com os indígenas durante parte de sua infância no Maranhão. É importante ressaltar, ainda, que, ao contrário de Alencar que concebia o colonizador com certa simpatia, Gonçalves Dias abominava-o, vendo como símbolo do terror e da exploração indígena.
No que se refere à sua literatura indianista, Gonçalves difere-se potencialmente do grupo de Magalhães ao conferir à sua poesia ritmo e cadência ágeis, com versos breves e bem construídos, em contraposição aos versos mais prosaicos e menos trabalhados de Magalhães. Reparem na força do ritmo nestes versos retirados do poema “I-Juca Pirama” (que significa “aquele que vai morrer”), do poeta maranhense:
“Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.”
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.”
“I-Juca Pirama”, que narra a história do índio Tupi que é aprisionado pelos inimigos timbiras, é considerado o poema épico indianista mais perfeito da literatura brasileira.
A expressão do ritmo, em Gonçalves Dias, é uma das características mais marcantes de sua poesia. O poeta soube empregar sabiamente todos os metros poéticos existentes na língua portuguesa. Em A Tempestade temos um inigualável exemplo deste virtuosismo, pois nesta composição o poeta faz uso desde o verso dissílabo ao extenso alexandrino, intercalando versos curtos e longos como se reproduzisse no ritmo o aumentar e diminuir da tempestade. Abaixo, selecionamos alguns trechos desta obra, na qual está facilmente identificada a relação interdependente entre a forma e o conteúdo:
Um raio
Fulgura
No espaço
Esparso,
De luz;
E trêmulo
E puro
Se aviva,
S’esquiva
Rutila,
Seduz!
[...]
Um ponto aparece,
Que o dia entristece,
O céu, onde cresce,
De negro a tingir;
Oh! vede a procela
Infrene, mas bela,
No ar s’encapela
Já pronta a rugir!
Não solta a voz canora
No bosque o vate alado,
Que um canto d’inspirado
Tem sempre a cada aurora;
É mudo quanto habita
Da terra n’amplidão.
A coma então luzente
Se agita do arvoredo,
E o vate um canto a medo
Desfere lentamente,
Sentindo opresso o peito
De tanta inspiração.
[...]
Um som longínquo cavernoso e ouco
Rouqueja, e n’amplidão do espaço morre;
Eis outro inda mais perto, inda mais rouco,
Que alpestres cimos mais veloz percorre,
Troveja, estoura, atroa; e dentro em pouco
Do Norte ao Sul, — dum ponto a outro corre:
Devorador incêndio alastra os ares,
Enquanto a noite pesa sobre os mares.
[...]
Cresce a chuva, os rios crescem,
Pobres regatos s’empolam,
E nas turvas ondas rolam
Grossos troncos a boiar!
O córrego, qu’inda há pouco
No torrado leito ardia,
É já torrente bravia,
Que da praia arreda o mar.
[...]
Nas águas pousa;
E a base viva
De luz esquiva,
E a curva altiva
Sublima ao céu;
Inda outro arqueia,
Mais desbotado,
Quase apagado,
Como embotado
De tênue véu.
[...]
A folha
Luzente
Do orvalho
Nitente
A gota
Retrai:
Vacila,
Palpita;
Mais grossa
Hesita,
E treme
E cai.
Um raio
Fulgura
No espaço
Esparso,
De luz;
E trêmulo
E puro
Se aviva,
S’esquiva
Rutila,
Seduz!
[...]
Um ponto aparece,
Que o dia entristece,
O céu, onde cresce,
De negro a tingir;
Oh! vede a procela
Infrene, mas bela,
No ar s’encapela
Já pronta a rugir!
Não solta a voz canora
No bosque o vate alado,
Que um canto d’inspirado
Tem sempre a cada aurora;
É mudo quanto habita
Da terra n’amplidão.
A coma então luzente
Se agita do arvoredo,
E o vate um canto a medo
Desfere lentamente,
Sentindo opresso o peito
De tanta inspiração.
[...]
Um som longínquo cavernoso e ouco
Rouqueja, e n’amplidão do espaço morre;
Eis outro inda mais perto, inda mais rouco,
Que alpestres cimos mais veloz percorre,
Troveja, estoura, atroa; e dentro em pouco
Do Norte ao Sul, — dum ponto a outro corre:
Devorador incêndio alastra os ares,
Enquanto a noite pesa sobre os mares.
[...]
Cresce a chuva, os rios crescem,
Pobres regatos s’empolam,
E nas turvas ondas rolam
Grossos troncos a boiar!
O córrego, qu’inda há pouco
No torrado leito ardia,
É já torrente bravia,
Que da praia arreda o mar.
[...]
Nas águas pousa;
E a base viva
De luz esquiva,
E a curva altiva
Sublima ao céu;
Inda outro arqueia,
Mais desbotado,
Quase apagado,
Como embotado
De tênue véu.
[...]
A folha
Luzente
Do orvalho
Nitente
A gota
Retrai:
Vacila,
Palpita;
Mais grossa
Hesita,
E treme
E cai.
Na poesia lírico-amorosa o tema do amor é tratado de maneira pessimista e trágica, tendo como motivo principal o “amor não correspondido”. Tal visão é analisada por parte da crítica como decorrente de uma frustração amorosa pessoal do poeta. O poeta teve seu pedido de casamento negado pelo pai de Ana Amélia por motivos de preconceito com relação à sua cor e à sua posição social. É neste segmento de sua poesia que encontramos alguns lugares-comuns do romantismo, tais como pessimismo, individualismo, sentimentalismo, insatisfação. Entre as poesias de sua lírica amorosa destacamos “Se se Morre de Amor”, “O Vate”, “Lira Quebrada” e “A Minha Musa”.
A poesia saudosista de Gonçalves Dias é marcada pela contemplação da natureza como manifestação divina e como confidente das angústias, saudades e solidão do poeta. Exemplo clássico desta poesia é a famosa “Canção do Exílio”.
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